Acho que a sensação que primeiramente tomou conta de mim, ao
percorrer as páginas iniciais de Tirza, do holandês Arnon Grunberg, foi a de
desconcerto, um desconcerto muito parecido com aquele a que me remetem os
livros de J.M. Coetzee. Embora os personagens e as situações sejam
absolutamente verossímeis, não consigo compreender as atitudes das pessoas e
fico me perguntando, o tempo todo: Mas por que esse sujeito está fazendo isso?
Por que ele age desse modo? E é assim que Tirza começa, pendendo um pouco para
o ridículo enquanto nos apresenta uma família de classe média, mais ou menos
banal, cheia de problemas mais ou menos triviais, e seu patriarca, Jörgen
Hofmeester, um ex-editor sem sucesso na profissão, que foi abandonado pela
mulher e cria sozinho duas filhas.
Só que lentamente as coisas vão evoluindo no livro de
Grunberg. Pequenos fatos vão emergindo aqui e ali, pontas de iceberg,
informações que meio que irrompem do nada. À medida em que novos dados vão
dando uma consistência bem bizarra à personalidade de Hofmeester e ao cotidiano
de sua família, o leitor se vê jogado num ambiente de tensão constante, em que
se pressente que algo terrível pode (e vai) acontecer a qualquer momento. De
modo implacável (às vezes, durante a leitura, eu sentia meu estômago
embrulhar), Grunberg despedaça seu protagonista sem dó nem piedade diante de
nossos olhos, num exercício em que comédia e tragédia se atravessam, expondo um
Hofmeester afogado num pântano de contradições, numa vida e num tempo que o
esmagam.
Há muita coisa sendo discutida neste livro. Há a questão de
gênero, circunscrita nas palavras que apontam para o personagem em sua relação com
a mulher e as filhas: o “capataz”, o “guardião”. Há o homem engolfado pelas
contingências políticas e econômicas de um mundo que muda muito depressa. Há as
próprias alterações nos costumes, fazendo Hofmeester vagar atarantado entre a
casa e o jardim enquanto tenta inutilmente explicar-se o universo dos jovens,
da esposa, do trabalho, da escola, dele mesmo, de todos os que o cercam. Mas o
que me parece mais interessante é a forma como o tema da liberdade parece estar
sempre despontando de forma periférica. Há referências a ela ao longo de todo o
texto: “Pois liberdade e fome eram inimigas mútuas”, “Em sua imitação dele, em
seu exagero às vezes grotesco, estava sua liberdade”, “A liberdade que de
repente lhe era concedida parecia um deserto”. No entanto, os personagens não
discutem a liberdade diretamente e mostram-se alheios às questões vitais que
parecem encurralá-los: O que é a liberdade? Onde se encontra? Como alcançá-la?
O que fazer com ela? Para que serve ser livre? Ninguém se aprofunda no que parece ser aquilo
por que todos se debatem, de uma forma ou de outra. E Hofmeester, que tem a
vida toda sob controle, de repente descobre que pode levar uma rasteira da
liberdade: “[...] ali ele sentia o verdadeiro gosto da liberdade: bílis”.
Tirza é um livro intenso, para ser lido quase com o corpo
(eu o li cheia de inquietude, agitada, profundamente incomodada). E eu acho que
não saber muito sobre sua trama ajuda a tornar ainda mais memorável esta
experiência de leitura. Sem dúvida alguma, um dos melhores romances que eu li
nos últimos tempos. Mesmo.
obrigada pela dica!! Já vou colocar na minha lista.
ResponderExcluirBah, tenho certeza de que tu vais gostar muito...
ExcluirVou começar a ler agora!(Moira)
ResponderExcluirEba!
ExcluirFiquei muito curiosa!
ResponderExcluirVou procura-lo.
Depois podemos conversar um pouco sobre os personagens. Acho que vai ser interessante.
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