A Editora Rocco publicou F., de Antônio Xerxenesky, em 2014.
A história do livro, porém, acontece nos gloriosos anos 80, a década em que o
Brasil deu adeus à ditadura, um período de novos tempos, pelo rock, pelo
surgimento dos computadores, pelo nascimento do CD. Esperava-se muito do futuro
nos anos 80 e, em primeiro lugar, parece ser com a ideia de esperança e
desesperança que Xerxenesky está trabalhando em seu livro. A protagonista, Ana,
é uma assassina tentando elaborar a memória de um pai também assassino (“ele me
contou que meu pai era conhecido pela simpática alcunha de Doutor Eletrochoque
e que o seu incrível talento para a engenharia era utilizado para modificar
aparelhos e desenvolver sistemas aprimorados de tortura”). As mortes cometidas
pela própria Ana, porém, têm pouco do horror ligado aos dramas da tortura: são
gráficas e cinematográficas, um tanto cômicas, um pouco exóticas. Ana é uma
deturpação, uma falsificação do pai assassino, o que é engraçado e também
melancólico, porque Ana é uma ficção que a gente não consegue esquecer, em
nenhum momento, que é ficção – e me parece que é essa mesmo a intenção do
romance.
Lá pelas tantas, a matadora Ana é contratada para assassinar
– pasmem – Orson Welles. E é quando se escancara a grande brincadeira do livro,
quando o texto começa a jogar com um filme de Welles, de 1973, chamado “F for
Fake”. Eu revi F for Fake há pouco, para acompanhar um trabalho de aula, e ele
exatamente levanta uma série de questões a respeito de
originalidade/falsificação. Xerxenesky faz com que se atravessem a vida de Ana
e os filmes de Welles, a tarefa de Ana e as motivações de Welles, numa evocação
dos atravessamentos entre alta e baixa cultura que são outro dos motes do romance.
Afinal, Ana é uma assassina que metodicamente cita versos de Drummmond para se
acalmar antes de puxar o gatilho.
A articulação F./F for Fake funciona bem: prende a atenção
do leitor, curioso para saber de que jeito será desatado esse nó entre realidade
e ficção. A falsidade do personagem Ana também funciona bem: Ana é uma estranha
metáfora de si mesma e do próprio livro. O que não funciona bem, o que parece
desandar é o rumo que a narrativa toma na terceira parte. Quando Xerxenesky
desvia o foco do F de ficção e centra suas luzes no F de futuro (encontrei um
vídeo no Youtube em que ele diz que o F do título aponta também para estes dois
temas) o texto perde o ritmo, perde o interesse. Certamente, a ideia era mesmo
a de produzir uma história inconclusiva, mas o inconclusivo aí frustra o leitor.
Ana diz, sobre F for Fake: “Orson revela que a parte final de seu documentário
é toda composta de mentiras”. Já o F. de Antônio Xerxenesky parece resvalar,
bem em sua parte final, para o lado das verdades, o que dá uma enorme sensação
de desamparo, parece que a trama dá uma volta sobre si mesma e acaba traindo as
próprias intenções. Mas talvez eu pense isso apenas porque sou uma pessoa que
acredita firmemente nas ficções. Ana comenta: “Assisti a Cidadão Kane e isso
não me salvou”. Como assim?! Bem, eis aí alguém que é muito diferente de mim –
com certeza.
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